Crônica de um cidadão do século LVIII
Os tempos são outros, os erros os mesmos...
(Engº do Hawaii)
Registra-se nos livros de História – li em Os erros da era digital – que há muito tempo, já houve uma grave situação no planeta. Um surto de vírus se transformou numa pandemia e não houve quem não tivesse sido infectado, ainda que nem todos tivessem sofrido as consequências letais da peste. Por algum erro de cálculo ou falta de atenção ou imprudência governamental ou teimosia das pessoas – ou um pouco de tudo isso – as tomadas de providência começaram tarde demais, o que ocasionou muitos óbitos.
Na época, já havia um bom sistema de informações – não tão eficiente quanto os que temos hoje – mas, que não impediu o rápido alastramento dos contágios. Estavam na era da globalização – alguns falam de Era Digital – e, claro, havia muito ainda a ser aprendido com o passar do tempo, embora, olhando para o que temos hoje, parece que não foi bem o que aconteceu. Por exemplo, para se ter uma ideia, consta que entre outras dificuldades, faltou aparelhos respiradores, sem os quais muitos não puderam ser atendidos, uma vez que o sistema respiratório dos mais vulneráveis era fortemente lesado pelo vírus, causando insuficiência respiratória. A logística para a contenção do efeito dominó, cujo risco era iminente, teve que ser feita às pressas e, naturalmente, como sempre acontece em situações extremas, os erros foram inevitáveis.
O que teve maior efeito para que a guerra fosse vencida, como de fato aconteceu, foi, por incrível que pareça, convencer as pessoas a não fazerem nada. Explico: houve grande mobilização para que ninguém saísse de casa, pois, dessa forma o vírus não se alastraria, uma vez que a contaminação se dava mais eficazmente pelo toque das mãos. Ficar em casa, não fazer nada, aguardar pacientemente enquanto os profissionais avançavam nas pesquisas em busca do remédio, da vacina – bastava isso da parte das pessoas. Talvez tenha sido a primeira vez na história que não fazer nada era boa parte da solução do problema.
Aconteceu, como sempre acontece, uma grande corrente de orações em todo o mundo. Deus é lembrado por todos em momentos difíceis, parece ser esta uma regra antiga da humanidade. Diante do perigo, da vida em risco, a natureza humana vai buscar forças no além, no transcendente, em algum deus que possa ouvi-la lá de cima e, de preferência, o quanto antes. Como é difícil entender que Deus não tem culpa dos nossos erros. Mesmo os que não eram lá muito devotos da religião, também às pressas priorizaram do seu tempo um restinho para deus, afinal, se tem alguém que pode resolver as coisas, esse alguém é deus.
Incrível como as coisas se repetem. Estou aqui, proibido de sair por conta de tudo o que estamos vivendo, em pleno século LVIII, dois milênios e meio depois de Jesus Cristo e, tal como os homens do século XXI, também os de hoje não entendem que Deus vai fazer a parte dele se nós fizermos a nossa. A melhor oração que alguém pode fazer nesse momento é ficar em casa. “Vai para a tua casa” – está em Mc 5, 19. Mas o que eles querem, como sempre, é um milagre imediato. Sim, os tempos são outros, os erros os mesmos.