Pe. Fernando Steffens
A poesia deixa a vida mais leve...
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Textos
Carta a esperar
 
Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.
(José Saramago)
 
     É muito comum acontecer assim: um livro que estou lendo, uma conversa da qual participo, um noticiário, uma cena que chama a atenção, uma experiência pessoal e, então, algum movimento interior começa a surgir, um faniquito poético – feito nariz com vontade de espirrar. Depende de mim, pois não nego a vontade quase incontrolável que tenho de escrever. Independe de mim, pelo fato de que é a inspiração que nos possui, não nós a ela. Há em tudo isso uma espera natural que é preciso respeitar. Por sinal, o que me trouxe desta vez foi o seguinte: “esperar não é necessariamente uma perda de tempo” (Tolentino de Mendonça). Como disse acima, após isso, um movimento se iniciou dentro de mim. Recomendo o livro, A mística do instante.

     O tempo da espera parece ser uma distorção do próprio tempo. Ele demora mais, por vezes é angustiante, inseguro ao ponto do medo. Para alguns, torna-se insuportável. Porque não logo, ao invés dessa espera toda? – grita o inconsciente. Não está ao meu alcance descrever os processos mentais e psicológicos a que somos acometidos devido as tantas esperas que padecemos. Quero, outrossim, pensar que é sem as esperas que a vida se tornaria insuportável. Um equívoco danoso é este de querermos antecipar etapas, dias, horas, dizeres, descobertas, manipulando a natureza em desfavor próprio ou de outrem, levados pela ilusão de ganho. Pior ainda, acostumar-se a não respeitar as esperas – eis o cheque-mate.

     É bíblico: “Para cada coisa há seu momento e um tempo para toda atividade debaixo do céu” (Ecl 3, 1). Se é assim, porque, então, esperar se revela tão torturante? É que uma engrenagem atravessada faz todo o sistema entrar em colapso. O tempo entrou em paranoia porque em algum momento algo foi realizado fora do seu tempo. Só que ninguém percebeu. A priori nada de anormal. E os desajustes foram se acumulando, de modo lento. Pois também alguns erros demoram a apresentar suas consequências. De repente, uma corrida contra o relógio já ia avançada e não dava mais para voltar. E cá estamos, num tempo em que parece que a vida pede um novo tempo – tempo e esperas que não sabemos quais. Seis meses que parecem uma eternidade, dias que parecem não ter fim, e uma necessária espera. Para que mesmo? Ah, sim, uma vacina que reajuste o ponteiro do relógio, que dê corda à vida de antes, outra vez.

     Estamos com dificuldades agora, pois agora não tem jeito, somos obrigados a esperar. Descuidamos desse valor ao longo de tanto tempo – há os que são exceção, admito, moram nos mosteiros e nas ruas –, por isso, nos faz tanta falta, lesa-nos em desesperos, em ansiedades. Os monges vivem em outro ritmo, seus dias e suas horas são embalados por outras causas. Os que vivem nas ruas, a muito tempo sabem o que é esperar, a muito sabem quanto demora um dia de fome. Sinceramente, não acredito que a pandemia irá mudar lá muita coisa, a menos que tivéssemos que esperar cinquenta anos até o seu fim, feito aquele exílio babilônico – consta na Bíblia. Bem, melhor nem pensar nisso e terminar por aqui, afinal, para ver certas coisas, o jeito é esperar... É a lei. Deveríamos aprender mais com os fotógrafos esta arte...
Padre Fernando Steffens
Enviado por Padre Fernando Steffens em 09/09/2020
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