Pe. Fernando Steffens
A poesia deixa a vida mais leve...
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Textos
Carta Postal 33

Mestre, onde moras? Vinde e vede.
(Jo 1, 38-39)

Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar, morrer?
(Carlos Drummond de Andrade)
 
     
A minha pergunta de início soa até indiscreta: onde você mora? Não, não estou interessado em saber o teu endereço postal para te encaminhar esta carta via correios. Faço a pergunta porque, de súbito, dei-me conta de que moramos em muitos lugares e, ao mesmo tempo, em um só. Há muitas casas que nos acomodam, há muitas varandas das quais contemplamos a vida, há muitas estradas a percorrer até apearmos diante de um lugar que nos dê guarida, ofereça-nos estadia, há tanta estalagem de que somos hóspedes que nem fazemos ideia.

     Sem mais, veio à mente a caminhada “nômade” que Maria e José empreenderam, durante a qual veio à luz o Filho da Promessa. Está registrado, com todas as letras, que não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2,7). Adiante voltarei à pergunta do início, mas, agora, elaboro outra, em semelhante tom: onde Deus mora? Em verves paradoxais e poéticas, eu diria: Ele mora onde não há lugar. Ou, em linhas teologais e místicas: Ele mora exatamente onde é o seu lugar. Deus habita, senão o espaço que é seu – por direito, por dever, por amor. Este “não havia lugar para eles”, lido em chave espiritual, creio iluminar muito o sentido da liturgia cristã deste tempo em que estamos e, ato conjunto, denunciar o perigo de uma falsa fantasia natalina, reduzida apenas a uma mera representação teatral ou estética das cenas evangélicas.

     Senhoras e senhores, respeitável público leitor, continua, sim, não havendo lugar para Ele, diante do império dos espetáculos de luzes e cores das praças, diante da tal “magia de Natal” encenada, diante do aparato cinematográfico e comercial, capaz de, em boa medida, anular o real sentido salvífico deste nascimento que fez a História ter um antes e um depois, diante das mesas dos cambistas que ainda fazem da casa e das coisas de Deus oportunidades de negócios.

     Voltemos. Onde você mora? – pedia eu. Qual o teu lugar neste mundo? A consciência que temos – querendo ou não, aceitando ou não – de nosso fim, anunciado pela morte que caminha ao lado, nos diz que não temos moradia definitiva neste mundo. Voltaremos ao pó! Mas é preciso a tomada de outra consciência, desta que ilumina a minha questão e sua resposta. Divaguei para chegar a isto novamente: dei-me conta de que moro em muitos lugares; igualmente, em um só.

     Moro no coração de quem me ama. Moro nas lembranças que cultivam de mim. Moro no copo d’água entregue, parábola de toda caridade realizada. Moro nas coisas que fiz – de bom e de ruim – e que continuam existindo para além de mim. Moro, mal e porcamente, no meio dos meus pecados. Moro, sem poder ser diferente, junto aos problemas que tiram meu sono, às dores que abalam minha paz, aos medos que afetam minhas esperanças. Moro onde quero e, força do destino, onde não quero. Moro nas linhas que escrevo, mesmo que ninguém as leia. Moro no abraço, no sorriso, no muito obrigado, ofertados ou recebidos. Moro na palavra dita ou mal-dita. Moro na ausência que se faz presente por meio da saudade que alguém sente de mim. Moro a céu aberto. Às vezes, a portas trancadas. Moro onde é meu chão, que é um só: o coração de Deus, mesmo quando – erro recorrente – parece não haver lugar.
Padre Fernando Steffens
Enviado por Padre Fernando Steffens em 14/12/2020
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