Carta de fim de ano
Se cada dia cai
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
(Pablo Neruda)
Às vezes eu penso que não vale à pena escrever. Qualquer coisa que eu disser se tornará repetição obsoleta de algo que alguém já descalou antes. Mesmo porque, nem sempre a originalidade floresce à revelia dentro de mim e um mínimo dela é preciso ter – é a marca que o artista deixa em sua obra, o escritor em suas linhas, o maestro em sua música, o poeta em seus poemas. Como não poderia deixar de sê-lo, são estes que me inspiram, com toda a força de criar mundos que os bons versos carregam, com toda essa capacidade de revelar o que busco, aquilo do que estou a trás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra
Ana Cristina Cesar é donde vem o consolo, a inspiração e a fagulha de uma luz que se acende original, não mais com o seu, agora com o meu querosene poético, reflexivo e, quisera eu, provocador. O título de seus versos sugere uma pergunta: o que me move? Lembrei da pergunta feita por Jesus a dois que, imagino eu, meio ressabiados e a certa distância, um dele de nome André, o seguiam: “Que procurais?”
Sem querer ser démodé demais, fato é que caminhar sem saber para onde ir é o início do precipício. As vicissitudes deste ano pandêmico, que caminha para o fim, revelaram que muitos, porque não sabiam para onde caminhavam, se viram de tal modo desesperados, sem saber o que fazer, justamente por falta de objetividade na vida que levavam. Não havia um telos, uma meta. A vida acontecia e, simplesmente, deixava-se ela acontecer. Em sua densa trilogia sobre o sentido, Clodovis Boff discorre longamente sobre este niilismo que assola nossos tempos. Qual é o sentido da vida? É uma pergunta recorrente, nunca totalmente aquietada – inicia assim sua obra. Parece que esse vazio contemporâneo se revelou ainda mais presente agora, quando um invisível, sem peso, sem cheiro, sem cor abalou o mundo.
Estou atrás, confessa logo de início o interior poético de Ana Cristina. Quando vamos aos seus escritos, eles revelam uma alma inquieta, confusa, textos que começam e não terminam, sem muita lógica, talvez perturbada devido a vários porquês e, ao mesmo tempo, com desejos de coisas muito simples, igual está nestes seus versos, porém distantes demais para serem alcançadas. Por que, será? Em Protuberância ela diz: No ano de 2001 terei (2001 – 1952 =) 49 anos e serei uma rainha, rainha de quem, quê, não importa..., mas se suicidou em outubro de 83, em decorrência da depressão. Queria ser rainha, mas vivia mendigando sentido para sua pobre vida. Nem a poesia a salvou.
Diz-se que há armamento bélico suficiente para mandar o planeta aos ares, mas está claro, depois de 2020, que não temos estrutura suficiente para salvá-lo. Nem tecnologias, nem teorias – da conspiração ou não –, nem maturidade histórica, nem disciplina e obediência, nem mesmo vergonha na cara... Restou medo, desespero, impotência, mortes. Quem já tinha norte, rumo e prumo na vida caminhou na corda bamba com equilíbrio. Os demais precisam se perguntar: o que eu busco?
Pessimismo de minha parte? Não. Recorro ao grande orador Padre Antônio Vieira: Os discursos de quem não viu são só discursos; os discursos de quem viu são profecias.