Carta de balanço
Eu não queria ocupar o meu tempo
usando palavras
bichadas de costumes.
(Manoel de Barros)
A primeira pergunta é: quantos livros você leu esse ano? Boas leituras nos ajudam a pensar, a amadurecer, a rever, a respirar outros oxigênios. São excelentes companhias para horas de solidão. Se chatos, abandone-os ou persevere. Se prazerosos, desfrute-os. Se difíceis, desafie-se. Se ousados, vá em frente. Se mentirosos, afirme-se em teus princípios. Se verdadeiros, absorva-os.
A segunda pergunta é: o que aprendeste? O que eu queria dizer com isto tive que deixar para ver depois – outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender (Clarice Lispector). Aprendemos na hora, embora as lições, com muita frequência, são recolhidas depois. Se criança, aprendeste a falar? Se adulto, aprendeste a caminhar? Se longevo, aprendeste a esperar?
A terceira pergunta é: quem se tornou melhor por tua causa? Para além da religião, da política, dos princípios ideológicos, que proveito teu existir legou para os que conviveram contigo? Essa pergunta é a que contém as tuas maiores riquezas e, ao mesmo tempo, a que mais lentamente devolve as respostas. Difícil saber quais são os que entrariam na fila para nos dizer: muito obrigado!
A capacidade de ler a vida e suas peripécias com inteligência, com luz, com reflexão, crítica e discernimento. A maturidade conquistada que nos faz ser – dia após dia. Embora somos todos iguais, nossas atitudes nos diferenciam – disse-me alguém com sabedoria. Saber-se um eterno aprendiz, tendo presente o adágio Conhece-te a ti mesmo e o outro que diz Torna-te quem tu és. Por fim, a alteridade, o ser para os outros, a gratuidade das ações, a responsabilidade na construção do que se deseja ver pronto, o bom ideal cristão refletido nas atitudes de generosidade.
O costume bichado das palavras de fim de ano – fórmulas prontas sem resultado nenhum – esgotou-se para mim. Têm sentido apenas como ritual obrigatório de passagem, feito parabéns pra você e muitos anos de vida a quem acaba de completar 102 anos. Os votos de feliz ano novo não são mágicos, não realizam o que dizem imediatamente, são coloridos artificialmente. A virada de ano carrega consigo um poder muito frágil de perigosa ilusão. No primeiro dia útil a vida retorna ao seu leito normal e onde ficam os votos? No bolso da calça branca, no gosto das comidas recomendadas para o evento, na fumaça que sobra dos fogos, no lixo deixado porcamente na beira da praia, nas mesmas promessas [bichadas] de anos anteriores. Mesmo assim, deixo o bom e velho feliz ano novo!