É preciso escrever...
Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo.
(Fernando Pessoa)
Fernando Pessoa com seu poético “navegar é preciso” e eu com meus botões: escrever é preciso... Eu preciso escrever... Sei que o mundo não cabe dentro de uma crônica, mas uma crônica a respeito do mundo pede passagem. Sou péssimo em análise de conjuntura, seja qual for – política, social, histórica... Mas gosto de observar o que se passa à minha volta. E, com meus botões, teço diálogos. Concluo, com desespero e ironia, que chegamos à idade da idiotice. Isso me leva a recitar um rosário em gratidão a Deus por não ter nascido em um século futuro. Basta o que já temos de bestial no humano, nem quero pensar o que será dos tempos que virão...
Comecemos pelas incapacidades: de relacionamentos, de sociabilidade, de paciência com os tempos próprios da vida, de lidar com perdas e nãos, de ser feliz com o mínimo, de educar os filhos para as dores da vida, de respeitar hierarquias e naturezas, horizontalizando tudo, de ser fiel, de silêncio e contemplação, de entender que nem tudo deve ser mudado em nome da novidade.... e tantas outras peçonhentas incapacidades...
Seguimos: modismos e futilidades. Os modismos são a prova real da falta de originalidade. Um bando de adeptos que se adapta a qualquer coisa – roupa, linguagem, estilo... – e a canção do Zé Ramalho fazendo todo o sentido: vida de gado/ povo marcado e povo feliz. Realmente, um admirável gado novo. Bambus agitados com o vento. E as futilidades: vivemos em um mundo em que o supérfluo se tornou o essencial, algo já anunciado por Oscar Wilde em O retrato de Dorian Gray. A imagem mais importante que a realidade. O status como pseudo parâmetro da vida. A aparência em detrimento da verdade. O primado da estética ao invés da solidez da ética. A teoria da relatividade servindo a tudo e a cultura do provisório imperando como lei. Não me levem a mal, mas é o que vejo...
Por fim, três perguntas que se disfarçam, mas gravitam o tempo todo em torno a tudo, ou quase tudo: o que eu tenho a ver com isso? Esta denuncia a indiferença presente entre nós, a rápida tentativa de fugir às responsabilidades ou, ao menos, nem pensar nelas. O que eu vou ganhar? Pergunta que revela o quanto o lucro, a vantagem, a economia governam a vida humana do século 21. Perder é inadmissível. Lucrar é uma lei. E a terceira: Vai demorar quanto tempo? Porque vivemos uma espécie de competição contra o relógio, um imediatismo doentio, um afã desesperador por conquistas e resultados e respostas, caso demore muito, não tenho tempo para esperar. E a vida vai sendo atropelada.
É por isso que reluto em escrever. Contudo, aqui dentro não consigo me conter: é preciso escrever. Reluto por isso: quando escrevo, eu vejo. Porque escrever é pensar, é corrigir-se, é intuir, é expor-se. E, escrevendo, dói-me a vida, citando Pessoa em seu Livro do Desassossego. Consola-me saber que quando alguém me lê, talvez também veja – concorde ou discorde – quiçá acorde! Gosto dele e por isso é com Pessoa que concluo: Escrevo como quem dorme, e toda a minha vida é um recibo por assinar.