Sentado sobre uma pedra
no mais alto rochedo
aquele gavião
se achava principal:
mais principal do que todos.
Tem gente assim.
(Manoel de Barros)
Gosto da boa poesia, entre outros, pelo fato dela ser capaz de armar um bote com solene elegância, sem ofensas e com precisão matemática. Há muitos modos de dizer uma verdade, mas creio que o viés poético consegue fazê-lo, indo para além dela mesma – se é que me expresso bem. Anexo ao bom verso vem a reflexão e a digressão, o assombro e o silêncio, a inquietude e a plenitude. Tudo está ali, dito, ainda que paire no ar aquela sensação de quero mais. Manoel de Barros faz isso: vai do gavião ao ser humano em um instante e tudo se realinha em outra ordem. Já não mais a ave, já não mais a pedra, agora alguém – e alguém que conhecemos, por suposto.
Sim. Tem gente assim.
Certa vez, estava Jesus no Templo. Sem nada mais a fazer, observava o movimento que se desenhava ao seu redor. Viu dois que rezavam em voz alta. Um, achando-se mais principal, gorjeava sua oração do alto dos seus rochedos, cheio de vanglória por ser como era – típico fariseu. O outro, um publicano, olhos baixos, cabeça encurvada, mãos ao peito em movimentos de mea culpa, poetizava a verdade sobre si e sobre seu Deus, rezando a Ele deveras. Repare bem se os versos que citei não vêm a calhar com a cena descrita no Evangelho. Se foi a inspiração para o poeta, isto não sei. Mas que lhe servem de hermenêutica, certamente. Li um e lembrei do outro – pura ação do Espírito.
Mas voltemos para cá, para este: Tem gente assim.
E o que se ganha sendo assim? De que serve a arrogância, a soberba, a prepotência senão para, um dia, cair de tais alturas? Ser mais principal para quê? O risco de não respeitar valores, princípios, limites nem a dignidade alheia, de corromper-se e conduzir a vida tão somente a partir de interesses e segundas intenções é iminente para os quais o verso serve feito luva. É triste ser assim. E tem gente assim. Toda competição que diminui alguém, seja quem for, é diabólica, é trágica, é patética. Infelizmente, tal espírito se revela crescente em nosso meio, desde as crianças, se estas crescem em ambiente que promove o individualismo e a comodidade ilimitada, aos demais estratos sociais, eivados pela peçonhenta busca por primeiros lugares. Feito o gavião do poema, há quem peleja contra todos a fim de ser mais que todos. Em nome do que, meu Deus?
Bom entendedor sabe que não me refiro a natural competição que há no mercado, no universo da economia, no mundo midiático, nos campos e nas quadras. Estou falando que há gente, envenenada pela soberba, achando-se melhor que os outros só porque tem mais dinheiro, ou porque já viajou para a Europa, ou porque é parente de fulano famoso, ou porque não é desta cor, ou porque é de tal credo religioso, ou porque isso ou porque aquilo... se achando o mais principal. Lastimáveis fariseus de hoje.
E como tem gente assim.