Poeta, poetisa teu caminho
Pega, segura com os dedos
da velha musa
o que resta de poesia
na transição da hora que passa.
Cuida bem da inspiração
que se despede por inútil.
(Oferta – aos novos que poetizam, Cora Coralina)
Às vezes me demoro porque não encontro as palavras certas para começar. Os neurônios queimam e a ideia não produz nada. Até sei aonde quero chegar, mas me falta o início do caminho. Não obstante, lá vai...
A conversa fluía muito agradável. Na altura dos seus 88 anos, a lucidez da memória, o sotaque italiano bem carregado, gostoso aos ouvidos, e o vigor físico que ainda o permite pedalar seguro, por aqui e por ali, e fazer as coisas de quando se diz: “vou pro centro” – tudo isto, invejável. (Cá entre nós, a nossa geração, frágil como é, não chegaremos lá com esse vigor!. Esse pessoal é forte por saber quanto custa. Hoje recebemos tudo pronto. Hoje só custa dinheiro. Antigamente, suor e sangue, sacrifícios e incertezas, calos, dores e brio, muito brio).
Bem, conversa vai, conversa vem, depois de ter-me dito: “já fez dois anos, padre”, o que vinha a seguir só poderia brotar de quem sentiu. Nós que escrevemos, nem sempre sentimos. Resta-nos a sensibilidade que permite encharcar-se do alheio. Creio que ele nem se deu conta do tamanho do que dissera, uma vez que o bate-papo continuou seu rumo. Minha mente, porém, alçou voo. Dentro de mim, repetia-se aquela frase que continha sentimentos que jamais saberei, se não sentir. E não sentirei! Ele, o octogenário em minha frente, não faz ideia da poesia que seu coração contém, da beleza que me transmitiu naquela manhã, do consolo que agora deixo aos leitores que compartilham semelhante sentimento. Foi esse o verso, referindo-se à sua Clara: “a gente entra em casa, pode até ter um balaio de lenha no canto, mas o que a gente procura não está mais...” Mas o que a gente procura não está mais – repetiu.