Pe. Fernando Steffens
A poesia deixa a vida mais leve...
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Textos

Antes do funeral

“devia constar que só há dois dizeres

que infinitamente se repetem,

como a essência da linguagem:

o dizer do amor

e o dizer da morte.”

(“essência”, João Evangelista de Andrade Filho)

 

 

     Após o costumeiro silêncio, talvez com intuito de prender a atenção dos ouvintes, foi assim que ele começou sua prédica naquele dia: Tenho minhas razões para imaginar que, se hoje fosse meu velório e essa fosse a missa de corpo presente, haveria bem mais gente. É curioso, provocante, triste e bom pensar assim. Curioso, pelo simples fato de ser verdade. Provocante, pois é um pensamento, uma constatação que abre muitas portas. Digo que é triste, não por causa da morte em si, mas por imaginar que a minha morte tenha atraído mais do que minha presença, quando vivo. E, por fim, bom, pois não se vai a um velório se não houver algum bom motivo pelo qual quem partiu é responsável.

 

     As caras de espanto saltavam na assembleia – pouco povoada. Todos os olhos estavam fixos nele – tal qual naquela sinagoga, registrada nos evangelhos. Não era para menos. Um discurso que, de início, falava algo nunca ouvido antes, de modo tão direto, ainda mais se tratando da morte, mais ainda, a do próprio falante e, sendo ele o padre da paróquia, era impossível não chamar a atenção. Aonde ele quer chegar? – perguntavam-se as pessoas em seus corações. Certamente, tinha preparado bem sua fala, de modo que a reação das pessoas teria até sido imaginada por si antes. Como sempre, algum desatento falou, em tom de segredos, com o fiel ao lado: qual padre morreu?

 

     Resta-nos imaginar as suas razões para um discurso naquele tom: foi uma elegante maneira de se lamentar? Uma chamada de atenção para a baixa participação dos fiéis? A tentativa de levar as pessoas a refletirem sobre a vida e a morte? Tentou ele causar peso de consciência em quem quase nunca vem à missa (mas certamente viriam ao seu funeral!)? Algum mau presságio? Estaria o padre indicando alguma coisa? De fato, não sabemos. Uma coisa é certa: o sermão foi elogiável, a missa prosseguiu naturalmente e, daquele dia em diante, a igreja esteve sempre mais cheia – curiosidade? fé? medo? conversão? Fica a dúvida...

Padre Fernando Steffens
Enviado por Padre Fernando Steffens em 07/10/2023
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