Uma das preocupações maiores do homem,
atingida a idade lúcida, é talhar-se,
agente e pensante,
à imagem e semelhança do seu ideal.
(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, n.210)
Hoje eu vim para dizer uma coisa e, depois, mais três. As digo partindo da ideia de síntese. Certa vez, um professor da faculdade nos disse, numa das suas aulas, que, de tempos em tempos, precisamos olhar para trás e fazer sínteses. Já se passaram anos, aquele professor já retornou para o Pai, e eu continuo praticando a lição daquela aula. Esse exercício ajuda a filtrar as coisas importantes da vida, ressignificar outras, identificar sucessos e fracassos, amadurecer.
Mas a primeira coisa que vim dizer é outra: desafiei-me a, em um minuto, mostrar que há, em Jesus Cristo, um grande ideal, e parto dum paradoxo que sustenta meu resumo. Vamos lá: damos ouvidos a alguém com quem nunca conversamos pessoalmente, seguimos um homem que nunca vimos com os próprios olhos, acreditamos em algo que ele prometeu que só virá depois, somos sustentados por um alimento que não é nem sólido, nem líquido, nem gasoso, mas palavra e mistério... E não é de ontem que isso é assim, nem será amanhã que vai acabar! Já se vão dois milênios que a coisa é desse jeito. Das duas, uma: ou os cristãos somos todos loucos, ou, estamos certos. A fé diz que estamos certos! E a história parece que vem logo atrás, concordando...
As outras três coisas também são de caráter sintético. Mas como gostaria que não fossem! Enquanto punha em prática o ensinamento do saudoso mestre, cheguei à conclusão de que, no geral, há três coisas que estão morrendo em nós: a capacidade de contemplação, a capacidade de criar vínculos relacionais-afetivos, a capacidade de discernimento. Tudo por conta das redes (anti)-sociais. Cada vez mais só se contempla o que a tela mostra. Cada vez mais só se relaciona com quem está online. Cada vez mais só compartilhar, só curtir, cada vez menos se pensa. O que estamos fazendo de nós mesmos, meu Deus?
Esta síntese trinitária se dá após eu ter me desconectado das tais redes – por que demorei tanto para tal alforria!? Enquanto imerso nelas, enquanto preso em suas teias, enquanto dopado com seus anestésicos, é mais difícil abrir os olhos e olhar em volta. E aqui está o perigo: se deixares adestrar o teu olhar, o que verás? Nunca em torno, nunca para o alto, nunca para o belo, menos ainda para dentro. E as três coisas de que falo moram dentro. E morrem dentro também. Mas quem percebeu?