O ser humano é um anjo montado num porco.
(Santo Tomás de Aquino)
Os versinhos que direi rondam minha mente a dias. É um jeito um pouco grotesco, talvez, de falar com os leitores, mas eles são insistentes. E, como poeta, não posso ignorá-los. Surgiram diante de uma cena que flagrei, quando ia daqui pra lá, outro dia. Parei o carro, anotei – do contrário, eles voam e não retornam –, pensando justamente em escrever algo a respeito, posteriormente. Só que não sei por onde começar, ainda que haja tanto a falar. Tem coisas, melhor se não as víssemos. Acabam por corroborar negativamente com a periclitante situação de mundo na qual nos encontramos. Partindo da ideia heideggeriana de Weltanschauung – uma visão crítica do mundo –, cada vez mais necessária! cada vez menos estimulada!, até sou otimista, mas com os pés no chão, sem romantismos.
Parece-me que os sentidos farejam o que lhes apraz. O predador se atiça atrás de sua presa, fareja um rastro de sangue, esquadrinha um bote. O estômago faminto sente de longe o cheirinho do fogão, as delícias lhe apetecem. Diante do buquê, ela respira a fragrância da paixão – o coração acelera, as pernas tremem, o rosto enrubesce – é assim o amor. Os ouvidos do músico buscam a afinação plena, livre de quaisquer ruídos. Afinal, o que destoa lhes incomoda – esta é a lei. A mão do maestro, o cinzel do artista, a pena do escritor, intentam orquestrar com perfeição, entalhar a Michelangelo, uma sintaxe que beire os clássicos. E ao infinito com os exemplos...
Mas eu disse que tenho os pés no chão. Há faros e faros...
Bem outro é o olhar porque cheio de lascívia se delicia diante do impudico, despertando a luxúria e seus podres desejos e sujos pecados. Bem outro, o olhar que mira o que não lhe pertence e coloca-se propenso à oportunidade do furto. Outro, ainda, o olhar que se maravilha ante a mala de dinheiro e a chance do enriquecimento ilícito, fraudulento, sub-reptício, pouco se importando se alguém será prejudicado, tampouco excluindo-se da quadrilha. Míope o olhar que, irado, cheio de violência, fomenta no coração o desejo de vingança. Olhares torpes, maculados, impróprios a um ser de bom senso. Tão pior quanto, o olhar que desdenha, ignora, humilha, rebaixa a uma condição sub-humana um semelhante a si. Nojento quem flerta farejando a infidelidade, a baixaria, o bacanal.
E onde fica a ética e a moral diante disso tudo? Num mundo cada vez mais solúvel, é difícil encontrá-las. Quanto ao que vi outro dia, deixo aqui os indelicados versos – creio, a única forma de dizer tudo em pouco:
A cada olhar, o seu colírio.
A cada estômago, o seu alimento.
A cada porco, o seu chiqueiro...