Se não quisermos celebrar inutilmente as suas memórias
e nos sentarmos sem proveito à mesa do Senhor,
no banquete onde eles se saciaram, é preciso que, como eles,
preparemos coisas semelhantes.
(Santo Agostinho)
De um domingo ao outro, do “hosana” ao “ressuscitou”, para cada dia desta semana santa, uma pergunta, uma busca e as suas respostas...
Quais alegrias meus ramos hasteiam?
[Domingo de Ramos]
Quais perfumes tenho para oferecer?
[Segunda-feira santa]
Quantas traições trago para confessar?
[Terça-feira santa]
Com quais moedas vendo meu Pão?
[Quarta-feira santa]
Bacia, jarro, água, toalha: onde estão os pés que lavei?
[Quinta-feira santa]
Que dores têm as estações da minha via-sacra?
[Sexta-Feira Santa]
O que em mim precisa receber nova luz?
[Sábado Santo]
O túmulo está vazio! E aqui dentro, o que ressuscitou?
[Domingo de Páscoa]
Creio que pouco vale os enfeites e adornos, as rubricas observadas à risca, os preparativos e as reuniões, a estética impecável dos gestos, a programação em mínimos detalhes, a criatividade que intenta emocionar, até mesmo as igrejas apinhadas de gente, se o Amanhã permanecer igual, se o interior não for tocado, se algo na vida não mudar. Creio que, da grande massa de fiéis que afluem às igrejas nestes dias, não mais que meia dúzia estão imbuídas do espírito das celebrações. Esta grande massa, movida pelo consciente coletivo, vai por costume e tradição. Mas depois, a vida continuará medíocre como antes, exceto pela sensação de alívio e dever cumprido. Nas procissões, mais se conversa e apenas se anda do que se reza ou se faz penitência. Nos ritos do Tríduo, tão próprios para estes momentos, mais a sensação de “o que está acontecendo?” do que a consciência do que se está celebrando. Nos cumprimentos de feliz páscoa pouco há além de um equivalente ao feliz natal, dito a pouco, e acompanhado igualmente de chocolates.
Se é assim, para que tanto empenho em preparar tudo?
Primeiramente, porque o Senhor disse: “Fazei isto em memória de mim”. Então, fazemos. Quanto a compreensão por parte dos fiéis, ou continuará rasa e superficial ou amadurecerá. Só que isto não é manipulável. Só o tempo dirá. É preciso, contudo, preparar e celebrar. Quem será tocado? Não sei. Não celebramos porque todos sabemos. Celebramos por ordem do Senhor: fazei. Também os que lá estavam levaram tempo para compreender o que aconteceu – se é que todos compreenderam! Não seria diferente hoje, em nossas comunidades. Não celebramos porque todos sabemos, celebramos porque obedecemos ao Senhor.
Um segundo motivo é a força de atração que a cruz contém. Emana dela algo que está para além de nossas palavras. “Quando eu for erguido da terra, atrairei todos a mim”, disse Jesus. E assim acontece até o dia de hoje.
Em terceiro lugar, vivenciamos a semana santa porque acreditamos em tudo aquilo sobre o qual fazemos memória. E, aqueles que se preparam decentemente durante a Quaresma – oração, jejum, esmola, confissão, missa – e agora acompanham a liturgia da Igreja, são favoravelmente agraciados, não por serem melhores, mas por responderem mais fielmente.
Por fim, mas sem esgotar as razões, a beleza e a riqueza da semana santa estão no fato de ser ela o coração de toda a vida litúrgica da Igreja. É da Páscoa do Senhor, única e definitiva, que nasce, se alimenta e vive a fé do povo – saiba ele disso ou não. É fato que para alguns é feriado, para outros, dias de praia ou de campo acompanhado de manjares de bacalhau, para outros, ainda, tão somente troca de chocolates. Para estes que não a buscam: “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”. Aos que a vivem, assim canta o Pregão Pascal:
Sim, é verdadeiramente bom e justo
cantar ao Pai de todo o coração,
e celebrar seu filho Jesus Cristo,
tornado para nós um novo Adão.
Foi ele quem pagou do outro a culpa,
quando por nós à morte se entregou:
para apagar o antigo documento,
na cruz todo o seu sangue derramou.
Pois eis agora a Páscoa, nossa festa,
em que o real cordeiro se imolou:
marcando nossas portas, nossas almas,
com seu divino sangue nos lavou.