A forma sob a qual Deus nos estende a mão
é a mesma que torna essa mão invisível.
(Joseph Malègue)
A leitura do título O cultivo espiritual em tempos de conectividade, de Francisco Galvão (Editora Paulus), descortina janelas. Para quem deseja autoconhecimento ao invés de autoajuda, recomendo a obra. Simples e profunda. Atual e perspicaz. Provocadora e reflexiva. A certa altura, cai diante dos olhos do leitor esta frase: “Felizmente, Deus não é apenas o Deus do sim. Os nãos de Deus levam tempo para ganhar descanso em nosso coração.” É preciso parar. Pensar. Rezar. Então, as ideias se avolumam, os dedos começam a coçar, e eu preciso escrever.
De imediato, vem à lembrança a cena no Monte das Oliveiras. “Pai, se possível afasta de mim este cálice...” E a resposta de Deus: não. Em seguida, outras: “Deixa primeiro eu ir sepultar meu pai.” Não. “Reserva um lugar à direita outro à esquerda para meus filhos?” Não. “Senhor, manda que minha irmã venha me ajudar”. Não. “Diga ao meu irmão que reparta os bens comigo”. Não. “Desça da cruz e acreditaremos em ti”. Não. “Jesus, despede a multidão para que possam ir comprar alimento”. Não. Diziam ao cego que se calasse. Mas Jesus disse: não. Igualmente, repreendiam as crianças em volta, ao que o Nazareno disse: não.
Talvez, boa parte da fragilidade que a fé acaba padecendo seja por acharmos que Deus sempre irá dizer sim. E quando diz não, Ele se torna o culpado das tragédias humanas, quiçá um Deus injusto, insensível. Um Deus que dissesse sempre sim, seria, bem verdade, um deuzinho. E por que Deus também diz não? Primeiramente, porque Deus é livre. Depois, porque nem sempre pedimos o que convém. Também para nos corrigir. Também para se manter fiel. Também porque o interesse de Deus não é nos agradar, massagear o nosso ego. Finalmente, porque é preciso dizer não.
É muito perigoso achar que seremos atendidos só porque rezamos. E essa é uma ideia errônea, ainda que predominante nas espiritualidades ofertadas por aí. Uma espécie de barganha com Deus. Exigir que o Todo-Poderoso diga sempre sim aos meus chamados é inverter o Pai-Nosso: seja feita a minha vontade ao invés da Tua. Na sociedade da permissividade, impera o sim, exclui-se o não. É assim na imatura educação dada aos filhos, é assim na construção de conceitos ideológicos, é assim na cultura e na arte pós-moderna, é assim na teia das relações líquidas. Passa a ser assim no universo da fé. Mas, e quando Deus diz não?