"Céus do Senhor, bendizei o Senhor!
Noites e dias, bendizei o Senhor!
Luzes e trevas, bendizei o Senhor!"
(Dn 3, 58.71-72)
A beleza salvará o mundo.
Dostoievski
Às vezes, é o ponto de vista que define tudo (refiro-me à foto acima). Tal como as lentes dos óculos reajustam o foco para o que tem miopia, assim, as lentes da alma, quando bem aferidas, encontram Deus. Por quais meios se chega a esta contemplação divina? Infinitos são os caminhos. No arco que vai do nascimento à morte, ambos regados por lágrimas, a vida é constantemente nutrida de ocasiões que revelam o Criador e sua delicada beleza.
Aqui, nesta Blumenau de aço e concreto, poluída pela massa cinzenta do carbono despejado, atordoado por causa do barulho ensurdecedor vindo de lá e de cá, quase descrente diante do caos espiritual que testemunho à volta, atropelado pelo corre-corre da agenda do dia, enfim, cansado e ofegante, eis que alguém flagra um outro horizonte e compartilha nas redes. E este olhar chega a mim. Em meio a este turbilhão de coisas, redescubro, então, que Deus está ali, num quadro de tamanha beleza que emociona.
O prazeroso impacto causado pela imagem recebida, levou-me à oração! Sem fazer cálculo algum, julgo que a Proporção Áurea de Euclides se aplica à foto, que traz em resplandecente destaque a cruz. Não falo isso a partir da matemática e da estética euclidiana. Falo a partir da fé e de suas lentes. Falo a partir do que chamamos contemplação.
O que vejo? O madeiro iluminado, erguendo-se acima da escuridão terrena, aceso feito um tição que fere e marca para sempre um corpo, tendo acima e ao fundo a imensidão infinita do céu, numa interessante sensação de movimento que parece acontecer em círculos. E nasce um alívio de leveza e paz, um êxtase que seduz e encanta. É isso que vejo. Qual hermenêutica se aplica aqui senão a de que o retrato do mundo é deveras este. A cruz perpetuamente sendo sinal da vitória sobre o pecado e a morte, escuridões que sufocam o ser humano. O céu, eternamente movendo-se sobre nós, revelando a beleza da vida que nos espera, ao qual chegaremos subindo pela cruz – por ela feridos e por ela redimidos.
Quando o belo se revela, é preciso demorar-se na contemplação. É preciso ir além. É necessário maravilhar-se. A respiração tem que diminuir o ritmo. Por um momento, um momento apenas, não há mais dor, nem lágrima, nem guerra, nem fome, nem medo, nem solidão. “É diante do belo que a visão advém. Não mais se afugenta, se arrasta. Esse advento é essencial para o belo.” (Byun-Chul Han). O mais é silêncio!
É fim de tarde, daqui a pouco a cena vai se desfazer, a noite engolirá tudo, sorrateira como ela só, o ar se tornará mais frio, foto igual não será mais possível, virá o sereno, todos voltaremos para casa, afinal, a vida tem que continuar. Porém, no coração um sentimento diferente pulsa. Uma foto, uma experiência, um olhar, uma oração. Lembrei-me da cena de Emaús. Sim, somos outra vez aqueles dois, naquele entardecer distante de Jerusalém, à porta de casa, implorando: Fica conosco, Senhor! E, ainda que tenhamos que prosseguir, a imagem rezada permanecerá. O que mais é preciso que permaneça, meu Deus, o que mais?